Ricardo Costa, Milton Pinheiro e Muniz Ferreira, membros do Comitê Central do PCB
Fundado nos dias 25,
26 e 27 de março de 1922, em Niterói, o Partido Comunista surgia em meio ao
contexto internacional da afirmação do regime socialista na Rússia, após a
Revolução Soviética de 1917, e da criação da Internacional Comunista em 1919.
No ano de 1924, admitido no órgão máximo representativo dos comunistas em todo
o mundo, adquiria a condição de Seção Brasileira da Internacional Comunista
(PC-SBIC). Ao longo da sua história, o PCB sofreu grandes dificuldades para se
afirmar como legítimo representante da classe trabalhadora brasileira,
enfrentando regimes políticos repressivos e a ira da burguesia, que sempre viu
nos comunistas a maior ameaça política à manutenção e reprodução dos interesses
capitalistas no país.
Mas o PCB também viveu
inúmeros momentos de disputas internas em torno da definição da estratégia e da
tática corretas a serem adotadas visando à construção da alternativa
socialista. Sem dúvida alguma, um desses momentos mais complexos e
contraditórios foi o período que abarca as décadas de 1950 e 1960, quando as
profundas transformações pelas quais passavam o sistema capitalista em todo o mundo
e os enormes desafios que enfrentavam os estados socialistas levavam a
diferentes posicionamentos políticos e provocavam intensos debates. Nestas
décadas, o PCB adotou, num curto período de tempo histórico, duas linhas
estratégicas diametralmente opostas: uma, definida pelo Manifesto de Agosto de
1950, sectária e esquerdista na tática, orientava na direção da luta
revolucionária aberta, como pregava o programa da Frente Democrática de
Libertação Nacional (FDLN); outra, desenhada na Declaração de Março de 1958,
apostava na luta de massas, mas apontava equivocadamente para a possibilidade
de uma via pacífica rumo ao socialismo e consolidava a estratégia nacional
democrática, propondo a aliança dos trabalhadores com a burguesia nacional.
O período intercalado
entre a cassação do Partido, em 1947, e o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954,
marcado pela Guerra Fria e pela onda repressiva sobre o movimento operário e os
comunistas, faria aflorar o sectarismo entre os dirigentes comunistas, que
passaram a pregar a recusa das alianças, fosse no movimento sindical ou na
arena política. Marco doutrinário desta guinada à esquerda, o Manifesto de
Agosto de 1950 foi escrito pela direção nacional do PCB no momento em que os
Estados Unidos desencadearam a intervenção militar na Coreia, episódio que
despertava a convicção da iminência de uma nova guerra mundial, reforçada pela
ameaça real do uso das armas nucleares num provável confronto em que se via
como praticamente inevitável o envolvimento das duas maiores potências militares
do planeta. A conjuntura internacional ameaçadora empurrava os comunistas a
adotar, internamente, postura que negligenciava a importância, apesar de seus
limites, da participação no jogo eleitoral burguês, ao apostar na ruptura
institucional, quando todo o peso da ação política passava a recair na luta
para libertar o país do jugo imperialista, excluindo-se quaisquer
possibilidades de avanços e conquistas parciais no campo político e social. O
Manifesto pregava ainda a imediata aplicação de um programa anti-imperialista,
num discurso marcado pela perspectiva do “tudo ou nada”, em que o dever dos
comunistas seria transformar a iminente guerra imperialista em guerra
revolucionária de libertação nacional.
Entretanto, o quadro
internacional, ainda que permanecesse dramático em função da Guerra Fria e da
corrida armamentista, parecia desanuviar, desarticulando o discurso
catastrofista e obrigando os militantes do PCB a adotar atitude que os
retirasse do impasse tático-programático no qual se colocaram. Mas o fator
primordial que forçou, nos primeiros anos da década de 1950, a desconsiderar,
na prática, as orientações da direção do partido foi a drástica redução da
militância nas duas principais frentes de ação partidária: entre os
trabalhadores e os intelectuais, com efeito mais visível no interior do
movimento operário e sindical, principalmente em função da tática de combate
aos sindicatos oficiais através da organização de estruturas sindicais
paralelas. Não restou alternativa senão retomar as ações dentro dos sindicatos
e nas campanhas de massa do período, como a luta pela paz e a criação da
Petrobrás. O suicídio de Vargas e as grandes manifestações populares dele
decorrentes fariam acelerar o processo de reentrada do PCB no movimento de
massas e na luta política geral.
A gradual ruptura,
na prática, com a linha do Manifesto de Agosto permitiu que os comunistas
contribuíssem de forma efetiva para a deflagração da grande mobilização
operária acontecida em março de 1953, a “greve dos trezentos mil”, como ficou
conhecido o movimento responsável pela paralisação de trabalhadores têxteis e
metalúrgicos paulistas, principais categorias envolvidas. A partir do suicídio
de Vargas, em 1954, cresceu entre os dirigentes comunistas a percepção da
necessidade de se promover alterações substantivas na sua forma de intervenção
junto à sociedade brasileira, surpreendidos que foram pelas massivas
manifestações antigolpistas dirigidas contra aqueles que o povo identificava
como opositores de Vargas, dentre os quais o próprio PCB. Aqueles
acontecimentos empurrariam, pouco a pouco, o partido a reconhecer
diferenciações nas forças políticas nacionais e a valorizar a questão
democrática como um dos caminhos para a conquista de demandas populares, mesmo
que o IV Congresso do PCB, realizado apenas alguns meses após o suicídio do
Presidente, não tivesse sido capaz ainda de oficializar tais mudanças.
O chamado
processo de “desestalinização”: debates e dissensões no PCB
O coroamento do
processo de renovação da linha política deu-se, de fato, com as discussões em
torno dos informes do XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União
Soviética), que, realizado em fevereiro de 1956, deu início ao chamado processo
de “desestalinização”, deixando perplexos os militantes dos partidos comunistas.
No Brasil, o debate provocou a divisão do partido, fundamentalmente, em três
correntes: uma, que pretendia aprofundar as mudanças iniciadas com o processo,
inclusive com a negação de princípios leninistas; outra, que rejeitava qualquer
crítica ao período em que Stalin foi o dirigente máximo da URSS e do movimento
comunista internacional; a última, formada pelo núcleo hegemônico no interior
do PCB, que tentava obter um equilíbrio entre as posições anteriores.
O primeiro grupo,
composto principalmente por intelectuais ligados à imprensa mantida pelo PCB,
maior responsável pela deflagração dos debates, centrava suas críticas no
autoritarismo partidário e no dogmatismo, apresentando propostas políticas
alternativas ao programa do IV Congresso, que foram sintetizadas em artigo de
Agildo Barata publicado em Novos Tempos,
em setembro de 1957. Dentre elas destacava-se a ideia de uma etapa
preferencialmente anti-imperialista da revolução brasileira naquele momento
histórico, a exigir uma fase inicial de acumulação de forças que abriria mão da
hegemonia do proletariado em troca da formação de uma ampla “frente única,
nacional e democrática”, capaz de unir operários e camponeses a representantes
até da grande burguesia e dos latifundiários em torno de um projeto nacional-reformista.
No decorrer da discussão política, o grupo ficaria isolado na luta interna,
Agildo Barata seria expulso do PCB, e muitos dos seus companheiros
“renovadores” abandonariam as fileiras do partido.
O segundo grupo, minoritário no centro dirigente
comunista (João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar e Diógenes de Arruda
Câmara, os quais haviam composto, juntamente com Prestes e Marighella, o grupo
responsável pela reorganização do Partido nos anos 1940, através da Comissão
Nacional de Organização Provisória – CNOP), preocupado, acima de tudo, em
manter os princípios doutrinários e a organização partidária centralizada,
repelia veementemente as críticas ao período de Stalin. Em julho de 1957, na
primeira reunião do Comitê Central de que Prestes tomava parte após a retirada
para a clandestinidade em 1948, foi a vez de o partido acertar suas contas com
este grupo, então identificado como “conservador” e “dogmático” por recusar as
novas orientações vindas de Moscou. Como resultado da intensa luta interna
travada no interior do Partido e pelo fato de o grupo ter ficado em minoria no
debate, Arruda Câmara, Grabois e Amazonas perderam seus postos na Comissão
Executiva e foram deslocados para outros Estados por decisão do colegiado do
CC.
O núcleo dirigente central
consolidou-se em torno das lideranças de Giocondo Dias, Mário Alves, Jacob
Gorender e Armênio Guedes, entre outros, aos quais se juntaram Prestes e
Marighella, grupo que, tendo se constituído ao longo da polêmica interna,
tornou-se majoritário no PCB, ao adotar uma política equilibrada, recusando a
crítica aberta dos “renovadores” à estrutura partidária, ao mesmo tempo em que
aceitava, com cautelas, críticas ao período em que teria predominado o culto à
personalidade de Stalin. Este grupo foi responsável pela redação da Declaração
de Março de 1958. Sob coordenação de Giocondo Dias, conforme designação do
Comitê Central, foi organizada comissão para redigir documento que
sistematizasse a posição do coletivo sobre as discussões travadas a partir do
informe do XX Congresso do PCUS. A comissão formada por Mário Alves, Alberto
Passos Guimarães, Jacob Gorender, Armênio Guedes, Dinarco Reis e Orestes
Timbaúba, com acompanhamento de Carlos Marighella, além de Dias, redigiu o
polêmico manifesto, que foi aprovado no Comitê Central, após intensos debates.
A
Declaração de Março de 1958: a nova estratégia política do PCB
A nova orientação dada pela Declaração de Março de
1958, concebida sob o impacto dos debates provocados pelo informe do XX
Congresso do PCUS, passava a reconhecer, explicitamente, o desenvolvimento
capitalista em curso dentro do país e indicava a necessidade da interferência
dos comunistas nos rumos deste processo, por meio de pressões populares sobre o
Estado. Isso explica a participação cada vez maior do PCB junto aos movimentos
nacionalistas e, em princípios dos anos 1960, na campanha pelas reformas de
base, compondo um amplo arco de alianças que apostava numa alternativa de
desenvolvimento econômico anti-imperialista. Para alcançar tal objetivo, no
entanto, era vista como necessária a ultrapassagem dos “resquícios feudais” que
os comunistas insistiam em identificar na realidade brasileira, o que os
mantinham presos à perspectiva etapista da plena realização do capitalismo como
forma de iniciar a transição para a sociedade socialista.
Outro ponto de destaque no documento foi a importância
dada à questão democrática, ainda que permanecendo subordinada à questão
nacional. A Declaração indicava a necessidade da confirmação dos amplos espaços
democráticos, através da pressão popular, num processo de acumulação de forças,
com vistas à conquista das soluções positivas para os problemas brasileiros. E
apontava ainda a possibilidade real de se conduzir a revolução brasileira por
meios pacíficos, com a obtenção de reformas profundas e consequentes na
estrutura econômica e nas instituições políticas, chegando-se até a realização
completa das transformações radicais colocadas na ordem do dia pelo próprio
desenvolvimento econômico e social da nação.
A proposta de “união
nacional” com a burguesia consolidava-se como parte fundamental do projeto de
revolução democrático-burguesa associado ao processo de pleno desenvolvimento
das forças produtivas no país e de consequente superação das “sobrevivências
feudais”, expressas na grande concentração latifundiária e no elevado grau de
exploração do campesinato, as quais freavam o progresso da agricultura e
acentuavam a extrema desigualdade entre o sul/sudeste industrializado e o
norte/nordeste agrário. O desenvolvimento capitalista nacional, naquela fase,
era entendido como o elemento progressista necessário para destravar a economia
brasileira, cuja expansão, aos olhos dos comunistas, chocava-se com a
resistência do atraso representado pelo latifúndio e com a pressão externa
exercida pelo imperialismo. Reforçava-se a ideia central segundo a qual as
contradições básicas existentes na sociedade brasileira, naquele momento
específico da história, dar-se-iam entre o conjunto da nação, de um lado, e o
imperialismo norte-americano, de outro; entre as forças produtivas em
desenvolvimento, de um lado, e as relações de produção semifeudais e
semicoloniais predominantes no campo, de outro. Daí que a contradição entre
capital e trabalho, sempre trabalhada pelos clássicos do marxismo como a
contradição fundamental no capitalismo, não fosse vista como a mais premente
naquela “etapa”, muito menos a sua solução radical.
A matriz ideológica
deste pensamento encontrava-se nas diretrizes políticas adotadas a partir do VI
Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1928, com vistas a orientar
a atuação dos partidos comunistas nos países que viviam sob regime colonial,
semicolonial ou eram dependentes economicamente dos centros capitalistas. O
movimento comunista internacional, após a morte de Lênin, não raro passou a
fazer uma leitura anacrônica e esquemática da obra leniniana, tentando estender
a aplicação de determinadas propostas exitosas, formuladas no terreno
específico da sociedade russa do início do século XX, a todas as sociedades,
sem a preocupação e o cuidado de fazer um estudo profundo de cada realidade
histórica onde se pretendia desenvolver a luta revolucionária.
Nos anos 1950, com a Guerra Fria, difundira-se também
a perspectiva da eclosão de uma nova guerra mundial entre o centro imperialista
(EUA) e os demais países capitalistas, enfraquecidos pela Segunda Grande
Guerra. A tarefa dos comunistas, naquela etapa histórica, seria, portanto, não
acirrar as contradições elementares entre capital e trabalho, mas, sim, aliar-se
às burguesias nacionais na montagem de governos nacionalistas, contribuir para
ampliar o fosso pretensamente existente entre capitalismos nacionais e o
imperialismo, e, então, aguardar o momento certo para a emergência da revolução
socialista. Desta mesma forma os comunistas do PCB enxergavam a realidade
brasileira, como prestes a experimentar a considerada necessária etapa da
revolução democrático-burguesa, entendendo ser possível e mesmo inevitável o
desenvolvimento de um capitalismo nacional em contradição aberta com o centro
do imperialismo mundial.
O fato é que a leitura equivocada da realidade
brasileira, cujo processo de aprofundamento capitalista no sentido pleno da
afirmação do capitalismo monopolista não era percebido pelos comunistas (e, na
verdade, por quase todos os grupos de esquerda, que pregavam alternativas
nacionalistas e não propriamente anticapitalistas, inclusive os que optaram
pela luta armada), desarmou o conjunto da militância para o grande
enfrentamento que viria a partir do golpe militar de 1964, golpe
contrarrevolucionário dirigido pelas frações mais dinâmicas da burguesia
brasileira, as quais não tinham contradição alguma com o imperialismo, o qual
deu sustentação ao golpe. Muito pelo contrário, desejavam garantir a expansão
do capital nacional e internacional no Brasil.
O V Congresso do PCB
(1960): a luta interna em exposição
No ano de 1960, o PCB realizava o seu V Congresso.
Em abril, o Comitê Central lançou as teses para discussão no órgão partidário Novos Rumos, e o debate demonstrou,
centralmente, a divergência que punha, de um lado, o núcleo hegemônico formado
em torno dos defensores da Declaração de Março de 1958 (Prestes, Giocondo Dias,
Marighella, Jacob Gorender, Mário Alves, Armênio Guedes, etc) e, de outro, o
grupo liderado por Maurício Grabois, Pedro Pomar, e João Amazonas, que,
derrotado no Congresso, fundaria o PC do B dois anos depois.
As divergências expressas na tribuna de debates do
jornal Novos Rumos entre o centro
dirigente do PCB, responsável pela elaboração das teses para o V Congresso, e a
“oposição dogmática”, assim denominada pelo primeiro grupo, na verdade davam
continuidade à luta interna iniciada com o processo de “desestalinização”. Os
mesmos personagens da disputa central anterior (com exceção de Arruda Câmara,
que passou a se posicionar ao lado da direção) voltavam a se enfrentar, para o
acerto de contas final no Congresso do partido. De um lado, a oposição liderada
por Maurício Grabois, João Amazonas e Pedro Pomar criticava a linha então
hegemônica no partido, acusando-a de “direitista”, sem discordar da
caracterização da revolução brasileira, naquela etapa, como anti-imperialista e
antifeudal, nacional e democrática. Por outro lado, o centro dirigente, sob o
comando de Luiz Carlos Prestes, Giocondo Dias, Jacob Gorender, Mário Alves e
Carlos Marighella, imputava aos “esquerdistas” a pretensão de um retorno à
linha política sectária dos programas anteriores à Declaração de Março.
Os pontos de maior discordância, para o grupo da
oposição, encontravam-se nas seguintes diretrizes das Teses: a análise do
desenvolvimento capitalista no Brasil era considerada “apologética” do
capitalismo e do fortalecimento da burguesia, ao invés de destacar o
crescimento do proletariado; o governo JK era definido como uma composição
heterogênea de forças sociais e políticas, no lugar de ser apontado como
“antinacional e antipopular”; o proletariado era relegado a uma posição
subalterna na frente nacionalista e democrática, o que de fato significava
entregar a direção do movimento anti-imperialista à burguesia. Por fim, a tese
da viabilidade da via pacífica da revolução no Brasil era contestada de forma
veemente pela facção oposicionista, que a considerava, na prática, uma
orientação “nacional-reformista”, a encaminhar no sentido de uma política de
acumulação gradual de reformas, desarmando o proletariado para a luta
revolucionária.
Na defesa das Teses e dos princípios básicos da
Declaração de Março, o centro dirigente entendia que a preocupação maior,
naquele momento histórico, era definir o caminho para a “ação concreta de hoje
e não a hipotética de amanhã”, a fim de conduzir o proletariado à liderança
revolucionária de todo o povo. Daí a necessidade também de explorar as
contradições existentes no seio do Estado brasileiro, percebendo a influência
da burguesia nacionalista no acirramento dos conflitos em seu interior, o que
permitiria realçar o seu caráter heterogêneo, no lugar de cair no esquema
simplista da luta pelo poder, conforme no fundo seria a atitude do grupo
“esquerdista”. A luta por um governo de coligação nacionalista e democrática
envolveria a necessária pressão das massas e não o reforço do setor burguês no
interior do Estado brasileiro.
No rebate às críticas dos adversários à linha
hegemônica do partido, por exemplo, Apolônio de Carvalho combatia aqueles que
recusavam a viabilidade do caminho pacífico para a conquista do poder,
acusando-os de estarem aferrados à tendência idealista de ditar as leis em
lugar da própria realidade e de interpretar os acontecimentos segundo seus
desejos, impondo formas de luta inconsequentes às forças sociais, no afã de
criar uma revolução em curto prazo. Também Prestes atacou o “esquerdismo”
através de artigo no qual concluía haver uma falsa avaliação da situação
internacional por parte de quem parecia subestimar a força crescente do sistema
socialista mundial, a desagregação do sistema colonial e as demais contradições
que, segundo ele, minavam o sistema capitalista mundial. O crescimento do
movimento nacionalista e a tendência ao aprofundamento do processo de
democratização no Brasil aventariam a possibilidade real de se constituir um
poder revolucionário das forças anti-imperialistas e antifeudais sem a
necessidade de recorrer a formas mais violentas da luta de classes, como a
insurreição armada, o que não deveria ser apreendido como um abandono a priori
do caminho não pacífico.
A fundação e a evolução do
PC do B
O processo de luta interna acabaria provocando a
divisão dos comunistas em duas agremiações distintas: parte substancial daqueles
que atacavam as teses do núcleo hegemônico rompeu com o PCB no início da década
de 1960, ao rejeitar as resoluções políticas aprovadas no V Congresso em 1960.
Também contribuiu para o rompimento o descontentamento com o novo estatuto
aprovado pelo Comitê Central do PCB em 1961, com vistas à obtenção do registro
legal do partido junto ao Superior Tribunal Eleitoral. No novo estatuto deixava
de constar a referência à “ditadura do proletariado”, e o antigo nome do
Partido (Partido Comunista do Brasil, conforme fora criado em 1922) foi
alterado para Partido Comunista Brasileiro, mantendo-se a sigla PCB. As
mudanças facilitavam a legalização do Partido, dando-lhe um caráter
essencialmente nacional, ao refutar na prática o pretexto que sempre justificou
a cassação da legenda, qual seja, o vínculo com a Internacional Comunista e a
URSS, mas a argumentação não foi aceita pelos dissidentes.
Por meio de um documento encaminhado ao Comitê
Central do PCB em agosto de 1961 e intitulado “Em Defesa do Partido” (mais conhecido
como a “Carta dos 100”, pois foi assinado por cerca de cem militantes e
dirigentes), o grupo dissidente atacava o Programa e os novos Estatutos do
Partido Comunista Brasileiro, discordando frontalmente da alteração do nome,
das modificações feitas em pontos do programa anteriormente existente e do
processo de legalização do Partido. Em
fevereiro de 1962, parte do grupo fracionista, liderado por João Amazonas,
Pedro Pomar e Maurício Grabois, organizou uma Conferência Extraordinária
dissidente, elegendo novo Comitê Central e mantendo o nome Partido Comunista do
Brasil, com a sigla PC do B. Esta conferência recusou qualquer crítica ao
período de Stalin e manteve-se fiel às teses contidas no Manifesto de Agosto de
1950 e no IV Congresso de 1954.
Simultaneamente, ocorria também uma cisão no
movimento comunista internacional. Confrontados com uma série de insucessos
econômicos em suas tentativas de superação do atraso e do subdesenvolvimento
chinês, às voltas com a divisão de seu território e o isolamento diplomático
internacional, os comunistas chineses passaram a repudiar as teses soviéticas
de coexistência pacífica com os países ocidentais. E evoluíram rapidamente para
a proposição de uma linha política alternativa ao movimento comunista
internacional: os líderes chineses ofereciam a experiência da Longa Marcha, o
pensamento de Mao e a estratégia da guerra popular prolongada, adotados naquele
país, como modelos a serem seguidos pelos revolucionários de todo o mundo, em
particular da periferia subdesenvolvida. O PC do B não tardou a se situar no campo gravitacional do PC Chinês.
Antes, no entanto, buscara o reconhecimento tanto da parte do governo soviético
e seu partido (PCUS), quanto dos camaradas cubanos.
O PC do B aderia às análises maoístas que caracterizavam
a URSS e os países do campo socialista como potências “social-imperialistas”,
inimigas dos povos e da classe operária internacional. Após o golpe de estado
reacionário de 1964, as diferenças de concepções e métodos de atuação entre o
PCB e o PC do B se aprofundariam ainda mais. Enquanto o PCB adotava uma linha
de resistência de massas e organização de uma frente democrática para o
enfrentamento do regime de ditadura, o PC do B, inspirado pela teoria maoísta
da “guerra popular prolongada”, tentou organizar um movimento guerrilheiro na
região do Rio Araguaia. Confirmando tragicamente as avaliações do PCB sobre a
inviabilidade do sucesso da luta armada em uma conjuntura
contrarrevolucionária, este movimento, sustentado por um pequeno número de
combatentes valorosos, mas sem contar com o apoio das grandes massas, foi
terrivelmente esmagado pelas forças ditatoriais, deixando um lamentável saldo
de mortos e desaparecidos no conflito.
Após a derrota no Araguaia e o falecimento de Mao
Tsé Tung, o PC do B efetuou uma revisão em suas concepções e métodos, bem como
em suas vinculações internacionais. Rompeu os laços políticos e ideológicos com
o PC Chinês (sem jamais fazer, no entanto, a autocrítica de sua anterior adesão
ao maoísmo) e cerrou fileiras com o Partido do Trabalho da Albânia (PTA). Nesta
fase, além de preservar sua hostilidade para com os países que tentavam
construir o socialismo nas difíceis condições do cerco imperialista, estreitou
suas vinculações com os grupos fracionistas que combatiam, em diferentes
países, os partidos comunistas. Privilegiando em suas relações tais
grupamentos, o PC do B persistiu, ao longo dos anos de 1970 e 1980, em promover
ataques aos partidos comunistas que não se alinhavam com as concepções do
obscuro ideólogo albanês Enver Hoxha, estigmatizando-os como revisionistas e
contrarrevolucionários.
Detalhe importante: o nome Partido Comunista do
Brasil foi utilizado pelo grupo desde a Conferência de 1962, mas, num primeiro
momento, ainda houve a tentativa de usar a sigla PCB. Após sua adesão ao
maoísmo em 1969, alguns de seus documentos foram divulgados com a assinatura PC
do Brasil Marxista-Leninista (ML), como era comum entre as dissidências
maoístas de então. Oficialmente, a sigla PC do B somente passou a ser adotada
no final dos anos 1970. Antes disto, o nome era abreviado para PC do Brasil, e
seus militantes se referiam ao nosso Partido como PC Brasileiro, evitando
também utilizar a sigla PCB para designá-lo.
Somente após a crise internacional que se abateu
sobre o conjunto do campo socialista no final dos anos 1980, conduzindo ao
colapso das experiências de transição socialista no leste europeu e ao
desaparecimento do regime comandado pelo Partido do Trabalho da Albânia, o PC
do B começou a reavaliar seu posicionamento frente às experiências socialistas
remanescentes e ao movimento comunista internacional. Neste mesmo momento, o
PCB mergulhava em uma crise profunda, provocada pela acentuação da atividade
capitulacionista e liquidacionista de vários de seus dirigentes, a qual se
concluiu com a infrutífera tentativa de extinção do PCB e a criação, por parte
dos reformistas, de uma organização de perfil socialdemocrata, hoje de
centro-direita. Graças à luta renhida dos verdadeiros comunistas em nosso país,
esta tentativa se frustrou e, desde 1992, o Partido Comunista Brasileiro vive o
processo de reconstrução revolucionária.
Que lições devemos tirar
dos eventos históricos?
Nos últimos vinte anos, nós, comunistas do PCB, temos
procurado caracterizar a realidade brasileira com base na perspectiva central
de que o capitalismo desenvolveu-se de forma plena no país. Rompemos em
definitivo com a estratégia nacional-democrática ou nacional-libertadora, a
partir do momento que deixamos de ter qualquer ilusão com a possibilidade de construção
de um “capitalismo nacional autônomo”, capaz de se chocar com os imperativos
mundiais do capitalismo monopolista e do imperialismo. Tentamos aprender com os
erros do passado, em especial com a derrota imposta aos comunistas e à classe
operária pelo golpe de 1964 e pela ditadura que aprofundou o capitalismo no
país. Daí afirmarmos categoricamente que o caráter da revolução no Brasil é
socialista e defendermos uma estratégia de lutas anticapitalista e
anti-imperialista como única alternativa possível à realidade atual, de
hegemonia completa da burguesia.
Por sua vez, o PC do B, a partir dos anos 1990, passou
a se adaptar crescentemente aos padrões da política burguesa em nosso país. Tal
movimento se expressou na ênfase que este partido passou a conceder à sua
atuação parlamentar, em detrimento do estímulo às organizações populares e
classistas. O centro de sua ação política deslocou-se para a participação em
coalizões políticas que possibilitavam tanto a eleição de parlamentares, quanto
a sua presença em governos nas diferentes esferas da administração pública
brasileira. Dessa experiência para a adesão às práticas clientelistas e
fisiológicas foi um passo rápido, pois dirigentes do PC do B passaram a
integrar diversos governos locais e regionais, muitas vezes presididos por
frações das classes dirigentes brasileiras, empenhadas em confirmar sua
hegemonia através de práticas demagógicas e mistificadoras acobertadas por uma
retórica pretensamente social.
O mais impressionante é que, tendo se originado como
críticos contundentes de teses às quais acusavam de “reformistas” e
“direitistas”, hoje, os integrantes do PC do B abandonam drasticamente seu
passado “radical” e “revolucionário”, abraçando o discurso
nacional-desenvolvimentista do PT, de cujo governo participam, desde o primeiro
governo Lula. Abraçaram acriticamente a concepção segundo a qual o crescimento
do capitalismo brasileiro (dentro e fora do Brasil) é bom para os
trabalhadores, que teriam a ganhar com a ampliação do acesso aos bens de
consumo de massa. À frente do Ministério dos Esportes, submetem-se, sem
pestanejar, a processos de elitização e subordinação das atividades esportivas
à lógica da acumulação capitalista, estimulando a competitividade e a
mercantilização. Exemplo disso é a forma como vem sendo conduzida a preparação
do país para sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, processos
esses que têm sido envolvidos por inúmeras denúncias de corrupção e de amplo
favorecimento aos grupos monopolistas.
O PC do B também desempenha um papel fundamental à
frente da Agência Nacional de Petróleo, ANP, órgão que regula as atividades
econômicas do setor petrolífero. Sob a sua gestão, a ANP tem operado como um
instrumento da ampliação do controle desse ramo da economia brasileira pelo grande
capital privado, nacional e internacional, fenômeno que se verifica tanto na
prospecção de petróleo, quanto na diminuição gradativa da presença do estado
brasileiro no setor. Pior ainda, a direção da ANP tem se mostrado leniente em
relação à possibilidade de oferecimento das reservas de petróleo brasileiro
localizadas na região do pré-sal para a exploração por parte dos grandes
monopólios internacionais, em franco ataque à soberania nacional. A atuação
parlamentar deste partido se dá a reboque da burguesia nacional. Seus
parlamentares têm capitulado diante das ofensivas do grande capital sobre os
direitos dos trabalhadores, como nos casos das contrarreformas trabalhista e da
previdência, quando apoiaram as iniciativas governamentais em benefício da burguesia.
Aliaram-se à representação dos grandes proprietários no Congresso Nacional na
elaboração de projeto de lei ambiental que libera todos os ecossistemas
brasileiros à impiedosa exploração feita pelo latifúndio e o agronegócio.
Na contracorrente de tais práticas, os comunistas do
Partido Comunista Brasileiro – PCB – sentimo-nos orgulhosos de poder comemorar
nossos 91 anos de vida, pois, hoje, mais do que nunca, ao trilharmos o caminho
da reconstrução revolucionária de nosso Partido, resgatamos o legado heroico de
lutas – assumindo os acertos e os erros, as vitórias e as derrotas – dos
milhares de comunistas que ajudaram a construir a história da classe
trabalhadora em nosso país.