Por Erica Ramos e Joseane Rotatori*
Apesar de muito se propalar a ideia de direito à educação como necessária à emancipação de uma sociedade, vivemos um processo crescente de mercantilização desse direito básico e assegurado pela Constituição Brasileira. Nas reflexões iniciadas na III Reunião do Grupo de Trabalho Nacional de Universidade Popular – GTNUP sinalizamos a necessidade de promover um sistema educacional que possibilite o acesso universal de toda à população e que reflita, sobretudo, sobre a nossa organização em sociedade.
Apesar dessa pretensão,
o Movimento pela Universidade Popular (MUP) toma como ponto de partida os
questionamentos acerca do nosso atual modelo que se orienta, predominantemente,
pela meritocracia - como diretriz fundamental do acesso -, pela privatização do
ensino– onde há busca incessante pelo lucro, em detrimento, de uma educação de
qualidade. A respeito do primeiro aspecto, explicitamos que tanto o sistema de
cotas quanto a abertura de cursos superiores voltados a capacitar movimentos
sociais e grupos específicos situa a preferência pelo mérito antes como valor
cultuado no universo acadêmico do que como princípio necessário para a educação
que queremos. A educação como direito, portanto, não se destina a agraciar os
mais bem colocados em vestibulares que mensuram o conhecimento escolar, mas se
volta a reparar situações históricas de acesso desigual à educação formal. Entretanto,
tais ações têm ocorrido mais à margem da política educacional de sorte a
questionar as convencionais formas de acesso e a meritocracia, não se colocando
como alternativa para repensar a educação como via de transformação social.
Quanto à privatização
do ensino, vimos que o Estado, em vez de elaborar políticas sociais que buscam
a universalização não somente do ensino básico, mas também, do ensino superior,
investe em programas como o ProUni, projeto que amplia o acesso ao ensino
superior privado mas com o custo do envio de montantes megalomaníacos aos
tubarões da educação. Outra forma de popularização verifica-se com a
massificação da educação superior que para alguns estratos da população é
apontada como uma via de ascensão social. Seu contraponto incide no fato de
essa expansão do ensino se dar a partir de uma flexibilização curricular e das
diretrizes básicas que devem acompanhar a oferta de cursos superiores limando a
qualidade da educação superior. Ainda nesse Eixo, programas como o REUNI
ampliam o número de vagas, mas são desprovidos de um debate que gere uma real
mudança, em todos os níveis, desde a construção democrática de currículos
preocupados com sua inserção social até, e principalmente, o acesso das classes
mais desfavorecidas e excluídas.
Durante a III
Reunião do GTNUP foram feita duas campanhas de grande importância no
espectro dos debates sobre educação pública, gratuita, de qualidade e,
sobretudo popular. A primeira propõe a luta contra o PL 2177 – Código Nacional
de Ciência, Tecnologia e Inovação. Esse PL trará uma verdadeira submissão das universidades
públicas e federais ao capital privado, uma vez que as universidades públicas
terão cada vez mais apoio das fundações de apoio privadas e agências de fomento
ao invés do financiamento público de qualidade. Essas fundações privadas irão
condicionar o desenvolvimento de suas pesquisas a interesse do mercado e não da
classe trabalhadora, no geral.
Já a segunda campanha,
foi contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
(EBSERH), criada pela Lei nº 12.550/2011. A implementação desse projeto determina a atuação dos Hospitais
Universitários (HU’s) e/ou Hospitais das Clínicas (HC’s) na contramão do papel
social que a saúde pública deve cumprir, ao privatizar mais de 45 hospitais em
todo o país e romper com o monopólio do SUS. Esses hospitais perderão a sua
autonomia universitária, deixando de ser um espaço de ensino, pesquisa e
extensão de qualidade para se submeter a uma lógica de mercado, com cumprimento
de metas e precarização do regime de trabalho. É uma privatização de dois bens
públicos, a educação e a saúde. Esses dois bens não podem ser submetidos à
lógica do mercado.
Apesar de a discussão a
respeito da educação popular explanar sobre o acesso à educação, ela prima,
sobretudo, pelo conteúdo que é reproduzido/produzido nessa atividade. A
educação que dispomos, mesmo que no seu mais alto grau de excelência, valoriza
e inserção profissional no mercado de trabalho e menos a superação de um
sistema de produção/reprodução assentado na desigualdade. Em vista disso, reivindicamos
uma educação que vise o rompimento com a reprodução da sociedade de classes em
sua construção, rumo à transformação social e a não subordinação das
necessidades humanas aos interesses governamentais e do capital, de forma que
desconstrua a legitimação da manutenção da ordem vigente.
* Erica Ramos e Joseane Rotatori são militantes do PCB e mestrandas na Universidade de Brasília.